terça-feira, 26 de outubro de 2010

A Sexualidade do Ministro do Evangelho


Como lidar com a sexualidade sendo ministros de Deus


*Valdeci Ximenes Cruz Filho


Resumo:


O assunto sobre sexualidade envolve o que há de mais intimo no ser humano. Porém, para uma grande maioria, a sexualidade está muito mais associada ao erro e ao pecado do que algo bom, criado por Deus. Muitas vezes os problemas de relacionamentos entre os casais em nossas igrejas ficam sem solução por falta de diálogo entre os cônjuges ou até mesmo devido à timidez e a falta de preparo por parte da liderança, que não dá a atenção que o assunto requer.
A sexualidade não acontece no vazio. Ela dialoga com as culturas, seus códigos e rituais. E cada pessoa, além de receptor cultural, é também um construtor do seu próprio futuro sexual, para além de todos os condicionamentos e acidentes. Tudo que está relacionado com a sexualidade desperta curiosidade natural nas pessoas de todas as idades por está ligado ao prazer e ao processo de dar origem à vida das sucessivas gerações.
Existe uma farta e rica literatura cristã sobre sexualidade, que esclarece e orienta, promovendo restauração e resgate de princípios bíblicos sobre questões de gênero, compulsão sexual, homossexualismo, ato sexual, etc. O importante é que cada pessoa, consciente de suas fraquezas e limitações, possa buscar ajuda sobre tais questões.    


Introdução

Nunca houve na historia da humanidade tanta informação sobre a sexualidade humana como nos tempos atuais. Tanta informação, junto a outros fatores, gerou um fenômeno de vulgarização, transformando a pureza e a sacralidade da sexualidade humana, criada pelo Divino, em algo impuro e comum. A busca desenfreada pelo prazer, o desejo que enfeitiça e seduz, o “ser feliz” acima de tudo, a fuga do desprazer e a negação do sofrimento são características pertinentes ao homem pós-moderno, cuja sexualidade tem sido marcada pela possibilidade de escolhas.

Por pessoa, entende-se o ser humano criado por Deus, a sua imagem e semelhança, que foi deformado pelo pecado que, contudo, não lhe roubou à dignidade inerente a condição humana. Por ministro de Deus, define-se aqui, uma pessoa lavada e perdoada pelo sangue de Jesus, com um chamado especial para servir, liderando e cuidando da igreja de Jesus, como pastor, presbítero, diácono, líder, etc.

O presente trabalho visa promover uma reflexão sobre a sexualidade do ministro de Deus e suas implicações no desenvolvimento do ministério. Embora se compreenda que este servo do Senhor, como pessoa, não se diferencie de outros cristãos, sua função e papel requerem uma postura íntegra e saudável, afim de que esta corrobore para o desenvolvimento de um ministério pleno. Dessa forma, a tese aqui defendida é que, considerando as peculiaridades, história pessoal, influências socioculturais, expectativas depositadas e o padrão da palavra, um líder cristão pode, e deve, viver sua sexualidade de forma a abençoar outros.

Porque abordar a sexualidade do ministro de Deus?


Por que abordar a sexualidade do líder, se, como já foi dito anteriormente, ele é um cristão como os outros, devendo manter o padrão bíblico de santidade, pureza, retidão, fidelidade, monogamia, etc? Em que difere a sexualidade do pastor, do presbítero ou do líder, dos outros membros da igreja? Tudo indica que a sexualidade em si não difere em nada mas a implicação de como este servo do Senhor lida com sua sexualidade fará toda diferença em seu ministério.

Alguns exemplos. Um líder seguro em sua identidade sexual pode facilmente se desvencilhar da “cantada” de uma mulher sedutora. Ou, uma líder para quem a identidade e os papéis sexuais são claros segundo os padrões da palavra, não se sentirá ameaçada os desafiada a competir com os líderes do sexo masculino. Por outro lado um líder do sexo masculino que internalizou modelos masculinos que desvalorizam a figura feminina terá dificuldade em amar verdadeiramente como pessoa uma “ovelha” do sexo feminino. Ou, uma líder que foi vitima de violência de seu pai pode temer ou hostilizar homens mais velhos de sua igreja. Ou ainda, um líder inseguro quanto a sua própria identidade sexual pode brincar de seduzir mulheres atraentes de sua congregação, como afirmação de sua masculinidade.

Uma constatação. A função em que atua o sacerdote de Deus o coloca numa posição de destaque, expondo sua vida de forma a ser um modelo aos “pequeninos irmãos”. São vários os momentos em que o apóstolo Paulo conclama seus irmãos a olharem para ele e o imitarem, tendo-o como exemplo de vida. Desta forma o líder cristão deve andar a frente de seus irmãos, funcionando como um guia, um modelo a ser seguido. E, ai daquele que fizer tropeçar um dos pequeninos irmãos! (Mc 9.42) Todos sabem que um escândalo vindo de um líder ou pastor causa um impacto muito maior que vindo de um membro de igreja sem posição de liderança alguma.

Um alerta. O mundo que cerca o cristão é centrado na indústria do consumo de sexo. A mídia está sobrecarregada de nus, cenas de sexo, diálogos sensuais, pornografia, e tantos outros estímulos que tem alimentado as pessoas exacerbando a sexualidade em cada uma. Isso é facilmente percebido na erotização precoce das crianças. Muitos pastores e líderes de igreja têm se conformado com estes estímulos, permitindo que novelas, séries, filmes, músicas, internet, “façam sua cabeça”. Muitos, bem no íntimo, já não esperam que os jovens se casem virgens, ou que os casais permaneçam fiéis, ou ainda, não vêem mais pecado no homossexualismo. Abandonar-se num sofá após um dia estafante e assistir TV “pra relaxar”, muitas vezes, tem sido a porta de entrada do “presente século” na vida de homens e mulheres chamados para serem transformados através da renovação da mente.

Uma necessidade. Cada líder deve estar atento a si mesmo e sua sexualidade. Desejos secretos devem ser confessados a Deus, compartilhado com um mentor, um amigo que possa ouvir sem julgar, compreender sem se tornar cúmplice. Alguém que por amar tenha a coragem de repreender, de chorar junto, de orar. Caso os desejos persistam é necessário buscar ajuda de um conselheiro ou psicoterapeuta que possa auxiliar no encontro das causas em busca da cura. Guardar para si só aumenta a possibilidade de se concretizar tais desejos.

Um servo do Senhor “bem resolvido” em sua sexualidade não é alvo fácil de tentações. Por isso, nunca é demais refletir sobre essa parte tão importante da natureza humana. “Assim, aquele de julga estar firme, cuide-se para que não caia!”(1Co 10.12).


Mas afinal, o que é sexualidade.

Sempre que o assunto é sexo, fala-se também de sexualidade. Mas qual a diferença entre os dois?
A palavra sexo serve para mostrar se a pessoa é homem ou mulher. A gente é que, quase sempre, pensa em relação sexual, nos órgãos genitais e em alguns nomes e piadinhas quando ouvimos a palavra sexo.
E o que é sexualidade afinal? Eu descobri que, mesmo sem saber direito o que é sexualidade, ela sempre fez parte das nossas vidas. Por exemplo: quando penso nos meus cinco sentidos, nas coisas de que gosto e conseqüentemente me dão prazer: ver paisagem (visão), carinho dos pais (tato), música (audição), cheiro de bolo de chocolate (olfato), comer pizza (paladar).
Descobri que nós sempre sentimos prazer na vida porque antes de a gente gostar de uma pessoa pra namorar, nós já aprendemos a gostar dos nossos pais, irmãos, amigos, bichos de estimação e outras coisas que achamos importantes. Também já sentimos prazer e alegria ao ganhar um sorvete, ganhar presentes, e muitas outras coisas, não é mesmo? A sexualidade é assim. São todas as formas como sentimos as coisas boas e ruins, como recebemos e demonstramos afeto. Não falei que a sexualidade sempre fez parte da nossa vida?(Coleção sexo e sexualidade).1  


Nesse trecho, em outras palavras, Lopes afirma que a sexualidade é a capacidade de sentir prazer através do corpo. Ou seja, a sexualidade humana é mais abrangente que a genitalidade. Freud foi o primeiro a falar que desde criança a pessoa é um ser dotado de sexualidade.

Nos dias atuais, uma pessoa permanecer virgem soa como uma anormalidade, como se não fosse possível viver assim e, ao mesmo tempo, ser feliz e saudável. O que é um grande equívoco. O próprio Freud identificou mecanismos de defesa do ego, mecanismos saldáveis, que possibilitam que a energia sexual seja deslocada para outras formas de expressão que não são as sexuais. Jesus Cristo-Homem, varão perfeito, demonstrou a possibilidade de viver bem a sexualidade sem, necessariamente, exercitá-la através do ato sexual.

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 1 Grifo meu

Por que é tão difícil falar sobre sexualidade


Durante muito tempo falar sobre a sexualidade humana foi considerado um tabu. Era e, muitas vezes ainda é, mais fácil fazê-lo através de piadas, anedotas, desenhos, palavrões, raramente de forma séria e responsável. Como um tema tão relevante à pessoa humana, dotado da dignidade e beleza em ter sido criado pelo próprio Deus tornou-se fonte de recato e vergonha?

Pinto (1999), desperta a atenção de que: “ ao criar o ser humano Deus o dotou de características sexuais e de sentidos que garantem uma troca prazerosa entre macho e fêmea”. 

Após criar o homem e a mulher, Deus os abençoou e ordenou que fossem férteis e se multiplicassem. E disse que o que tinha feito havia ficado muito bom. (Gn 1.31-NVI). A própria nudez, transparência em que viviam homem e mulher, não os envergonhava. Sobre isso Wanda de Assumpção escreve:


                                                Era uma nudez física, simbolizando a transparência plena que havia entre os dois. A comunhão entre eles era total. Não escondiam nada do outro. Eles podiam revelar-se, dar-se um ao outro sem constrangimento, sem qualquer restrição. As diferenças que havia entre eles eram motivo de encanto, não de timidez ou repulsa. Um par perfeito com Deus e entre si. (1998, p.31)


A queda trouxe a vergonha e a culpa, homem e mulher perderam a pureza, a inocência. Assumpção, completa:


“Seu espírito morreu, isto é, eles foram separados Deus Santo, Santo, Santo, que não pode tolerar o pecado. E pela primeira vez, sentiram vergonha de serem como eram, pressentindo que na área de sua sexualidade é que estavam mais vulneráveis a serem magoados pelo outro.”(1998, p.38)


O pecado trouxe a dor da separação da Deus, resultando em dificuldades no relacionamento consigo mesmo e com o outro, facilitando a deturpação e a falta de habilidade em lidar com a sexualidade própria e do outro. Pouco a pouco se constituiu, então, um tabu falar sobre a sexualidade, sobre o ato sexual, sobre os corpos: feminino e masculino. E aquilo que não é dito produz fantasias e mal entendidos, possibilitando desencontros e desilusões, violências intra e interpessoal.

Após séculos de repreensão em torno do assunto, nas últimas décadas do século XIX, rompeu-se o silêncio, num movimento de permissão e de encorajamento e se falar, discutir, experimentar e vivenciar a sexualidade, provocando uma verdadeira catarse. O que antes era proibido agora é expresso por meio das palavras, da arte e de atos, resultando numa verdadeira overdose de expressão e de informação. Assim, o pensamento contemporâneo ocidental parece sugerir, equivocadamente, que a sexualidade deve ser vivida como um fim em si mesmo. A crença divulgada, erroneamente, pela mídia e incentivada pelo mercado de consumo do sexo, é que exercer a sexualidade saudável é satisfazer os desejos sexuais. Alia-se a felicidade ao prazer sexual. Valoriza-se o belo representado hoje pelo sensual, em detrimento do feio, ou o que não desperta o desejo.
A igreja evangélica vem seguindo a distância os parâmetros socioculturais, alcançando aos poucos os avanços da atualidade. Enquanto pode, cala-se sobre um tema tão íntimo e pessoal. Quando pressionada, posiciona-se de forma intelectual e radical, espiritualizando a discussão, fazendo-o, muitas vezes, de forma inadequada. De forma contraditória, infelizmente, vai abrindo suas portas e conformando-se, a passos lentos, a cultura local e sociedade atual.


Lidando com a própria identidade sexual

Expectativas, sonhos, medos, comportamentos estimulados ou não, revelam o que uma sociedade espera de um menino ou de uma menina. Dessa maneira inicia-se a formação da identidade sexual, que começa a ser construída no momento da concepção. A partir da identificação do sexo, o bebê será tratado de modo diferenciado, conforme as expectativas e normas sociais vigentes. Ao longo da infância, a criança adquire e incorpora o que é ser homem e mulher naquela família, cultura ou sociedade. Essa identificação se inicia através do processo de imitação das pessoas que têm grande valor afetivo a criança, particularmente, o progenitor do mesmo sexo. Assim, muito do que é ser homem ou mulher é definido pela época e cultura em que se vive. Ressaltando que as pessoas podem representar modelos de identificação adequados ou não àquela cultura em particular. Por exemplo, um menino pode rejeitar identificar-se com uma figura masculina violenta, preferindo identificar-se com uma figura feminina vítima, distorcendo sua identificação sexual.

Infelizmente, muitas pessoas foram marcadas por experiências negativas, nessa fase de construção de identidade sexual, resultando numa confusão ou distorção desta identidade. Por isso, é muito importante compreender o projeto de Deus ao criar o homem e a mulher, visando o resgate do padrão original de masculino e feminino. Caso isso não aconteça corre-se o risco de assumir terrenos e culturais, muitos deles pecaminosos, como sendo o que Deus espera de seus filhos. O Deus criador anseia por resgatar o seu projeto inicial. Aquele que nada criou o universo e soprou vida ao homem, está pronto a recriar. Dos cacos, Ele faz uma obra de arte, um belo mosaico. O Deus artista pode valer-se de um milagre, ou usar instrumentos para cura ou restauração. Jakes (1999, p.50) afirma: “O meu Deus, porém, conserta bonecas quebradas. Ele costura com mãos hábeis os sonhos rasgados, as esperanças destruídas”.
 Somente a ação do Espírito de Deus pode restaurar a identidade sexual ou, ressignificar os papéis sexuais contaminados pela cultura, conforme os padrões do Criador expressos em sua palavra. Sendo que, muitas vezes, essa ação do Espírito se dá, pela graça de Deus, através da ajuda de um conselheiro ou psicoterapeuta. É preciso, porém, admitir os próprios limites e a necessidade de ajuda de outrem, sendo humilde e honesto consigo mesmo e com Deus. Assumir, precisar e buscar ajuda não é motivo de vergonha ou de culpa, mas de admiração e respeito.

CONCLUSÃO

Conclui-se que cada um deve sair em busca de uma sexualidade saudável, vivida de forma plena e integral, conforme o desejo daquele que criou o homem como um ser sexual. Cientes de que, a sexualidade vivida assim de forma saudável é benção para si e para aqueles que o cercam.
Algumas sugestões finais.
Deus o fez, conforme seu desejo, homem ou mulher. Que sua masculinidade ou feminilidade seja benção a cada homem e mulher que se aproxime de você. Pois cada um, independente do gênero é uma pessoa criada à imagem e semelhança do próprio Deus. Devendo, portanto, ser respeitado e amado por refletir o próprio Criador. “Não há... homem, nem mulher, pois todos são um em Cristo”. (Gl 3.28).
Aos casados. Cada qual deve estar atento ao seu cônjuge buscando satisfazê-lo numa entrega verdadeira e completa. O coração do marido convertido ao coração de sua esposa e o coração da esposa convertido ao coração do seu marido. Cada qual buscando a satisfação do outro e não a sua própria cura ferida, abre portas para o perdão, alimenta e/ou ressuscita o amor e o desejo.
Aos solteiros. Fiéis ao Senhor e ao seu chamado, entregando seu caminho a Ele, confiando a aguardando que ele aja. (Sl 37.5) Lançando, sempre, sobre ele toda ansiedade, experimentando seu cuidado. (1Pe 5.7) Lembrem-se: primeiro encontre o Senhor, depois se encontre consigo mesmo no Senhor. Deixe que Ele o ensine a amar-se, a respeitar-se. Só então você estará pronto, como uma pessoa inteira e saudável, a encontrar outra pessoa também inteira e saudável, para um relacionamento de amor, respeito, alegria e complementaridade.
Aos feridos. A todos que sofreram violências, sejam elas físicas, psicológicas ou sexuais, que adoeceram sua sexualidade e andam encurvados “Há dezoito anos” (ou seja, a tempo demais), Jesus já curou uma mulher assim. Uma filha de Abraão. Vá ao Senhor, leve-lhe sua carga, seu peso, Ele tem alívio pra você. Aprenda com Jesus  a ser manso e humilde. Experimente o seu bálsamo. (Mt 11.28-29) Ele há de ensiná-lo a alegria e a honra de ser homem, ou mulher.
Uma sugestão àqueles que ouvem: “Minha graça é suficiente pra você, pois o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza”2. Respondam com fé e coragem: “A tua graça é melhor que a vida. Meus lábios te louvam e assim cumpri-me bendizer-te enquanto eu viver”.³ Pois, seja qual for a sua história: A Ele toda honra e toda glória!                         
          
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²II Co 12.9
³Sl 63.3


REFERÊNCIAS

ASSUMPÇÂO, Wanda de. Conte Comigo. São Paulo: Mundo Cristão, 1998.
BÌBLIA de Estudo NVI. Nova Versão Internacional. São Paulo: Vida, 2003.
GRZYBOWSKI, Carlos. http://www.cppc.org.br/textos/boletins/sexualidade_Pos _Bill_Clinton.htm/Arquivo Capturado Pela Internet em 20/11/2008.

JAKES, T.D. A Dama, Seu Amado e Seu Senhor. São Paulo: Mundo Cristão, 1999.

LOPES, Cida. Sexo e Sexualidade-que bicho é esse? Brasileitura.
PINTO, Ênio Brito. Orientação Sexual na Escola. São Paulo: Gente, 1999.
MALAFAIA, Pr. Silas. Pregando Poderosamente a palavra de Deus. Rio de Janeiro, 2005.


Nota:


*Teólogo, pelo Centro de Formação Ministerial: Semente de Vida, em Caxias-Ma.

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